O processo da minha espiritualidade tem sido algo meio estranho, diria eu. Não sei muito bem os momentos que Deus quer que eu passe para me ensinar algo ou para me mostrar algo que eu precisaria ver. Acho que ninguém da minha família já enfrentou um problema similar.

Não dá para cobrar muito. Minha mãe desde muito cedo teve de encarar uma realidade sofrida de pobreza (não extrema) com meu avô sendo um tanto quanto problemático. Meu pai, já muito novo, teve que sair do seio da sua terra natal para se aventurar na grande metrópole de São Vicente, isso em meados dos anos 70, durante as diásporas nordestinas ao sudeste. Adicione toda essa complexidade minha avó, só, e um câncer no ouvido. É, eles não tinham tempo de pensar sobre o que era espiritualidade.

Espiritualidade, para eles, era a igreja do domingo, quando dava. Espiritualidade para eles era a, o que se entende hoje como, ascensão do neopentecostalismo, popular pelos seus cultos acalorados e suas expulsões demoníacas. E, obviamente, o tema da qual todos conheciam, mas ninguém falava sobre: a macumba.

Por mais que tanto a minha mãe quanto meu pai tivessem, em algum grau, talvez um pouco mais do que meus avós (tirando minha avó materna, da qual comentarei um pouco mais afrente), uma mediunidade, eles sempre ignoraram, nunca correndo atrás para saber do que se tratava. Havia sim uma pequena voz que os alertavam sobre o que era bom e o que era mau. Uma voz que era grossa ou fina demais para dizer que era da própria consciência. Mas, infelizmente, sob a pressão da vida terrena, esta era sempre ignorada.

Minha avó, mais do que qualquer outro de sua família, chegava a conversar com pessoas que tinham feito “a viagem”. Conversar no sentido mais explícito da palavra, trocar ideia, quase um relacionamento íntimo com os falecidos. Ela sabia coisas que só os mais próximos dos jazidos sabiam. Mas, a isso, não era dado o nome de mediunidade. Não existia esse conceito no interior do sertão cearense. Sempre muito católica, ela nunca se preocupou em estudar mais a fundo o que estava se passando e mais tarde, a própria vida a fez esquecer.

De qualquer maneira, na minha família, o espiritualismo e o espiritismo sempre estiveram muito arraigados. Sempre de uma maneira camuflada, mas estavam lá. Eu, por minha vez, juntei um pouco de tudo isso que comentei. Falo com defunto, escuto coisas e pessoas e sempre fui muito ligado com aquilo e aqueles que transpassam a fronteira do vivo e do morto. Morria de medo. Fantasmas, espíritos e coisas do gênero ainda me dão um pouco de aflição, mas acho que dada as minhas experiências, minha aceitação a eles se tornou um pouco maior.

Posso dizer que a minha “carreira” mediúnica começou antes dos meus 16 anos, ano do meu estopim espiritual? Sim. Antes dessa idade meus sonos já eram perturbados por visões, pessoas pedindo coisas, sonhos com significados mirabolantes etc., mas nunca nada que me fizesse pensar que poderia ser algo espiritual. Fiz a minha catequese como um bom católico, tomei a primeira comunhão, como manda a cartilha, mas foi nessa idade fatídica que as coisas realmente mudaram de figura.

No ensino médio, existia um rapaz muito bem afeiçoado, legal e gentil que era de uma igreja muito contrária a minha. Ele era da Renascer, instituição finan... religiosa que eu nem sei se existe ainda. Resumindo essa história: ele me levou a um culto, que disse ser uma festa e me batizou nas águas sagradas do canal 4. Hoje vejo quão lavagem cerebral foi tudo aquilo. Não culpo o rapaz que me induziu ao batismo, ele provavelmente também estava sob efeito de alguma euforia estranha ao Espírito Santo, nem a mim mesmo, coisa que fiz por um grande tempo, porque eu também estava sendo induzido. No final, todos estavam querendo só me fazer o bem. Pelo menos eu tendo a acreditar nisso.

Minha vida ficou dividida entre o que me ensinavam em casa, na igreja católica e o que me ensinavam na igreja evangélica. Ainda me lembro das passagens que me mostravam sobre os ídolos e como ter a imagem de Nossa Senhora Aparecida era uma blasfêmia a Deus e isso me condenaria ao inferno eternamente. Eu não compreendia esses conceitos que me foram passados por gerações e que, agora, eram do diabo. Não cabia isso para mim. Foi dentro desse amontoado de emoções que eu me vi quase que esquizofrênico. Tomando altos remédios para dormir, altos remédios para acordar, quase reprovando de ano, enquanto tinha de estudar para o Enem e para o técnico.

Somente uma coisa me acalmavam: as vozes. Elas, que até então eram motivos dos meus medos, estavam me ajudando. Verdadeira e genuína ajuda. Falavam que as coisas iam ficar bem, que tudo isso ia se resolver e que tudo era um processo. Foi nesse mesmo tempo que minha família resolveu participar do centro espírita perto de casa. Obviamente eu compartilhava essas emoções e escutas com a minha mãe, meu pai, então nada mais natural para eles que também já sabiam dessa mediunidade apagada deles que me levassem num centro assim. Lá era onde toda minha tranquilidade encontrava lugar. Lá eu escutava as palestras, tomava os passes e ficava em paz, feliz até. Era uma sensação única e muito amistosa para todos que estavam comigo. Não só minha mãe, não só meu pai, mas eles (as vozes) também.

Os anos passaram, eu finalmente concluí os estudos e corta para o ano de 2022. Nessa época eu já tinha deixado de ir para o centro, por motivos que até eu mesmo desconheço. Eu estava saindo com a minha esposa quando chegou o dia de encontrar com a família dela. Mãe, altamente católica, assim como os meus da minha casa. Pai, sem uma fé definida, mas acredita em Deus e Nossa Senhora. Se foi numa missa duas vezes na vida, foi muito. E a irmã, até então tal qual o pai. Esta última será uma personagem importante nesta que já parece ser uma crônica.

Quando eu entrei na casa dela, tudo normal. A casa era bem bonita, com seus enfeites e extremamente arrumada, limpa. Eu conheci primeiramente seu pai, um senhor sentado dado seus problemas de saúde que não convém comentar, que sem nem me conhecer direito me chamou de “Edu”. Eu fiquei realmente feliz, dado que mostrava uma simpatia e uma proximidade que eu queria ter a muito tempo. Depois conheci sua mãe, uma senhora simples, mas muito animada. Muito mesmo. Que já me mandou descruzar os braços e que não precisava de tanta formalidade, todo mundo ali era bem “família”.

Mas aí veio a hora de conhecer a irmã. Ela, como até hoje, sempre muito receptiva (contém ironia) me cumprimentou e sentou-se na sala. O clima até então festivo, pelo menos para mim, abaixou. Era como se uma presença estranha tivesse chegado. Era como se alguma coisa ali sugasse a energia do local. Ela não estava feliz e eu também, subitamente, também não. Mas não por ela. Olhei para cima como se alguma coisa estivesse olhando para mim também e, envolta daquela menina, 6 figuras extremamente altas, cobertas por um véu negro, com olhos vermelhos, olharam para mim também. Aquelas coisas que se alimentavam da energia da irmã de minha esposa, olharam para mim, como quem diz “percebemos a sua presença”.

Gelei. Até a alma. Nunca tinha visto, literalmente, nada como aquilo. Dados meus anos no centro e tendo um ou outro contato com energias do pós vida, conseguia sentir quando alguma coisa estava errada no recinto, mas nunca vi. Naquele dia eu vi. Hoje eu entendo o que são aquelas coisas. Pessoas na verdade, desencarnados que precisavam de proteção e entendimento. Como eu chamo atualmente: eguns. Ou obsessores, se preferir.

Passam-se mais alguns anos. Corta para 2023. Neste ano a irmã de minha esposa conhece um rapaz chamado Érico. Nome fictício para não expor ninguém. Este estudava num cursinho pré-vestibular que a guria frequentava e ele é filho de um pai de santo. Ela, por algum motivo que desconhecemos, já que aparenta nela uma natureza até bem antissocial, fica amiga desse rapaz. Ele o convida para uma das giras que o pai dele administra. Ela fica receosa por conta de seu berço católico, mas aceita ir. Com leve tom de proximidade que tínhamos na época, muito maior agora, ela me chama também e eu, curioso que sou e até então adepto de um monte de outras religiões, falo que quero ir.

É uma revolução. Já tinha ido em outros centros antes, mas como este, de Umbanda, nunca. Acho que é uma das poucas coisas que eu não me lembro ao certo o momento, mas a energia, sim. Foi como um tiro que acertou meu coração e me mostrou o porquê de estar vivo. Foi como um motivo a mais para viver e estar presente nesse mundo material. Sem o medo de subir para o mundo espiritual. Foi todo o ensinamento de Jesus sobre fraternidade, amor ao próximo e a Deus. Foi como se a minha jornada tivesse sentido.

E, dentro desse contexto, já finalizando, eu entendo agora os motivos de eu ter passado por tudo que passei e estar no lugar que estou. É lindo ver como eu evolui, como todos ao meu lado evoluíram junto comigo e como eu estou bem melhor agora. Há sim coisas a se melhorar, mas muito do que eu fui e do que eu sofri foi justamente para me tornar o que sou agora. Sou um iniciado na Umbanda. Pretendo, com os meus dons, ajudar, acolher e levar luz a muita gente. Eu sou o que sou.